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DANIEL PIZA – JUNHO 2001 – ENTREVISTA PARA A REVISTA BRAVO! N° 45

DANIEL PIZA – JUNHO 2001 – ENTREVISTA PARA A REVISTA BRAVO! N° 45

Um purista construtivo

Uma nova exposição e o lançamento de um livro contribuem para manter em evidência a obra do artista paulista Luiz Sacilotto, um dos pioneiros do Concretismo brasileiro. No dia 19, a galeria paulistana Sylvio Nery abre uma mostra com 31 desenhos do autor, datadas das décadas de 70 e 80. São estudos e projetos em preto-e-branco, resultado de sua incursão pela Op Art. A exposição se segue a uma retrospectiva feita na Dan Galeria, também em São Paulo, e a mostra em praça pública promovida em Santo Andre, no ABC paulista, terra natal de Sacilotto. O artista, também recentemente homenageado pela Associação Brasileira de Críticos de Arte pelo conjunto de sua obra, tem ainda sua trajetória editada no livro Sacilotto, de Enock Sacramento. Com 220 páginas, a publicação depoimentos do artista, fotos de época e reproduções de muitas de suas obras, ilustrando seu percurso artístico, dos primeiros desenhos em creiom, tendo a própria avó como modelo, às rigorosas figuras geométricas de concepção concretista. A seguir Sacilotto comenta a sua opção artística e os rumos do Concretismo em entrevista a Danuel Piza:

Luiz Sacilotto é a referência papal do Concretismo. Aos 77 anos, simboliza o rigor purista da proposta dos concretos em seu máximo, porque jamais o abandonou – como mostrou a retrospectiva recente na Dan Galeria e como mostra, agora, a exposição na Sylvio Nery com seus estudos de Op Art dos anos 70 e 80.

Sacilotto fez parte do GRUPO Ruptura, cujo manifesto, em 1952, lançou a arte geométrica no Brasil, quase meio século depois de iniciada na Europa. Do grupo faziam parte Geraldo de Barros, Lothar Charoux e Waldemar Cordeiro, este o líder intelectual, que viera da Itália em 1946 trazendo informações atualizadas para um meio no qual predominava a ignorância sobre os rumos da arte moderna, com exceção da expressionista. Cordeiro diria da obra de Sacilotto que era a “viga mestra” do Concretismo, porque trabalhava com sequências geométricas binárias, gestálticas, calculadas com precisão, sem espaço para improvisos e incertezas.

Na entrevista a seguir, Sacilotto diz que esse purismo construtor veio de sua experiência como desenhista da IBM e, mais tarde, de um escritório de arquitetura. Mas conta também que o desconhecimento da arte internacional era tal no Brasil dos anos 40 que a exposição de obras antigas de Mondrian e Calder soou como novidade “quente”. O Concretismo seria acusado de “frio” pelos dissidentes que fundaram a arte neoconcreta, com Lygia Clark e Hélio Oiticica, os mais badalados artistas brasileiros no circuito internacional contemporâneo. “O Concretismo não é frio. Isso é besteira”, diz o artista.

O Concretismo brasileiro foi modelado no suíço, capitaneado por Max Bill, que expôs no Brasil em 1950. Em sua busca pela funcionalidade de um relógio, influenciou mais o design e as artes gráficas do que a pintura e a escultura atuais. Mas é um capítulo na história da pesquisa visual brasileira, da qual Sacilotto foi um dos protagonistas.

BRAVO!: Sua obra dos anos 40 é marcada pela influência do Expressionismo, um estilo marcado por traços nervosos e cores intensas. Depois o sr. passa para o Concretismo, que condena o conteúdo emocional. O sr. acha que em sua obra inicial já havia indícios da geometria posterior?
Luiz Sacilotto: Não. Até 1947 não tínhamos conhecimento da arte feita lá fora. Havia poucas publicações de arte e conhecíamos apenas o Expressionismo alemão. Meu desenho começou a ficar mais rigoroso porque trabalhei na Hollerith, que depois seria a IBM. O escritório era na rua Líbero Badaró (no centro de São Paulo). Havia três computadores enormes e barulhentos e eu ficava ali, fazendo desenhos de alta precisão. Depois trabalhei no escritório de arquitetura de Jacob Ruchti, que foi o primeiro brasileiro a fazer uma escultura em alumínio e que tinha guaches abstratos no escritório. Aquilo me marcou muito. Depois, com a inauguração do Museu de Arte Moderna por Ciccillo Matarazo, descobri a arte de Calder e Mondrian. Eu me tornei assinante da Art & Architecture, uma revista da Califórnia, e conheci Waldemar Cordeiro, que vinha da Itália com muita informação.

B!: Do grupo dos concretistas, que incluía Waldemar Cordeiro, Lothar Charoux, Geraldo de Barros e o sr., que diferenças o sr. traçaria entre suas obras?
L.S.: Tínhamos uma liguagem em comum, mas em cada linha de trabalho aparecia nossa personalidade. Eu sempre gostei das paralelas, dos quadrados justapostos. O Cordeiro tinha linhas mais elásticas , o Charoux era mais eclético.

B!: Décio Pignatari diz que havia uma qualidade expressiva em sua arte construtiva, que vinha do movimento, antecipando de certo modo a Op Art. O sr. não acha que esta expressividade é mais evidente nas peças em três dimensões?
L.S.: Não há grande diferença no processo criativo da minha pintura e da minha escultura. Para fazer uma escultura, pego uma chapa, desenho, recorto e dobro. A escultura que fiz para a cidade de Santo André, que tem 8 metros, é uma superfície que cortei em três partes curvas. Pintei cada sentido com uma cor, o azul e o vermelho se alternando. O que acontece é que isso gera um impacto para quem está andando e vê a obra. Daí a impressão de movimento maior nas esculturas.

B!: Qual sua opinião sobre Lizárraga, que também continua a criar variações sobre sequências geométricas? E sobre Franz Weissmann, que também sempre foi fiel à pesquisa concretista?
L.S.: Tenho enorme respeito pelos dois. Lizárraga faz uma obra muito sutil. O meu Concretismo é todo planejado, modulado. O dele é mais livre. E o Weissmann tem aquela leveza, porque ele pega o ferro e multiplica os quadrados e círculos.

B!: Muitos concretistas, como Lygia Clark e Hélio Oiticica, romperam depois com sua mecânica binária, gestáltica, industrial. Criaram o Neoconcretismo, que busca conteúdos culturais e ideológicos mais explícitos. O que se lembra desse debate e o que acha da obra de Lygia e Hélio, hoje muito exaltadas?
L.S.: O Neoconcretismo veio de uma briga do (Ferreira) Gullar com o Coredeiro. O Gullar disse que o concretismo era frio. Isso é besteira. Tanto é que ninguém fala mais em Neoconcretismo a não ser no Rio de Janeiro. O Concretismo brasileiro começou em São Paulo e se tornou uma referência. Sei que Lygia e Hélio são muito exaltados hoje. Mas o trabalho deles no Concretismo era muito bom, a Lygia influenciada por Josef Albers, o Hélio com seus “metaesquemas”. Depois ele foi fazer os parangolés…

B!: Há um limite para a pesquisa visual? Em nenhum momento o sr. sentiu que estava sendo repetitivo demais?
L.S.: Não, nunca achei isso. Você pode ficar criando variações infinitamente.

B!: O Concretismo se aproximou muito do design. O sr. diria que a herança da arte concreta é mais visível no design contemporâneo do que na arte?
L.S.: Não só no design. Você vê na tevê o apresentador do jornal com uma gravata que é concretista. Na indústria gráfica, capas de livro que devem tudo ao Concretismo. A influência do Concretismo é muito grande nesses setores.